segunda-feira, 9 de junho de 2014

Hiroshima Meu Amor

(Hiroshima Mon Amour, França, Japão, 1959) Direção: Alain Resnais. Com Emmanuelle Riva, Eiji Okada.

Por João Paulo Barreto

Um dos símbolos mais marcantes da Nouvelle Vague, Hiroshima Mon Amour, do recém falecido diretor Alain Resnais, foi o terceiro filme exibido no Cineclube Glauber Rocha. Projeção em película 35mm, som acachapante, Emmanuelle Riva em toda sua beleza estonteante, equilibrando momentos de felicidade plena com lampejos de tristeza e desespero agonizantes no papel de uma atriz que grava, 14 anos depois da guerra, um filme em Hiroshima sobre a paz mundial.

Resnais apresenta em sua obra uma síntese sensível dos males que a guerra trouxe para o ser humano. Sem ser panfletário, o roteiro de Marguerite Duras tem duas faces de uma dor lancinante que destruiu vidas de forma brutal e que trouxe para a protagonista, uma francesa sem nome (nos créditos, simplesmente batizada de "Elle" - ela, no idioma francês), uma batalha intima e psicológica que parece tirar seu equilíbrio. A guerra terminou, mas suas feridas permanecem abertas nos habitantes de Hiroshima, bem como nas suas torturas mentais.

 
Um dos poucos (e aparentes) momentos de paz
Ao colocar o espectador diante de imagens dos sobreviventes retalhados da explosão nuclear, de pedaços de metal retorcido expostos em museus; peles e cabelos humanos conservados e exibidos como símbolos da insanidade da bomba, Hiroshima Mon Amour constrói uma relação entre toda aquela barbárie física com as dores pessoais de sua protagonista, que não viveu o horror de Hiroshima, mas teve seus reflexos em sua vida. Apaixonada por um soldado inimigo, sua tortura mental em ter perdido esse amor para a guerra a coloca em um conflito de aceitação desta perda e a adaptação de um novo amor que, apesar de fugaz, lhe oferece a atenção necessária para não sucumbir.

Um arquiteto japonês fluente em francês parece representar esse novo amor. Ela, apesar de casada, se deixa levar pela paixão por aquele homem, o qual, pacientemente, tenta entender seus traumas, tornando sua guerra interna menos insuportável. Na resistência em se deixar ajudar pelo anônimo rapaz, ela foge daquela relação, porém, permitindo-se usá-lo como alguém que a escute em sua autoflagelação, cede aos seus cuidados. Em certo momento, ela parece não ter forças nem para erguer um copo, algo que denota bem sua condição física e psicológica. Quando questionada sobre a nacionalidade de sua paixão durante a guerra, silencia por receio de admitir ter se apaixonado pelo inimigo.

A fraqueza diante da dor de um passado revisitado

Resnais construiu uma obra que aborda a culpa e a forma como a mesma pode destruir um ser humano em sua fraqueza e insegurança.Ela passa justamente por isso e tenta fugir de seu passado com a mesma intensidade com que o busca incessantemente em memórias dolorosas e conflitantes. Ao contar sua trajetória de vida, ela retorna a Nevers, cidade francesa onde cresceu e passou pelos momentos de horror durante a guerra. Revisitar aquele passado a esgota, e seu renegar daquela cidade simboliza toda a dor que esta representa. “Jamais voltarei a Nevers”, afirma.

Ao inserir a protagonista em andanças perdidas por uma cidade onde o idioma é um enigma e seus pensamentos seguem à deriva, Resnais nos mostra uma face daquele sofrimento que apenas o encarar do passado pode lhe trazer algum conforto. Curiosamente, é este mesmo encarar que a faz perder o equilíbrio e mergulhar no desespero. Na paixão inconsequente pelo japonês, um vestígio de uma paz fugaz, mas logo suplantada por uma razão que insiste em fazê-la voltar ao comportamento estoico.

Nos desencontros daquela última madrugada juntos em Hiroshima, os dois se percebem presos a um passado comum, maculado pelo trauma de uma guerra que, apesar da insistência mútua pelo esquecimento, acaba aceito por ambos na marcante afirmação de suas origens. “Hiroshima é seu nome”, afirma ela. “Sim. E Nevers é o seu”, replica ele. É quando se conclui que a dor de um passado é algo sem a possibilidade de se suplantar.

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