sábado, 11 de janeiro de 2014

O Lobo de Wall Street

(The Wolf of Wall Street, EUA, 2013) Direção: Martin Scorsese. Com Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie, Rob Reiner, Matthew McConaughey, Jon Bernthal.


Por João Paulo Barreto

A cena em que o agente do FBI Patrick Denham (Kyle Chandler) segue para casa de metrô naquilo que ele mesmo considera uma das piores partes do seu dia, momento o qual ele define como (sic) “suando as bolas dentro de um terno que eu usei nos últimos três dias” pode ser considerada a que melhor define a premissa de ascensão e queda de Jordan Belfort, o operador trambiqueiro de Wall Street vivido com vigor por Leonardo DiCaprio.

Não que Scorsese queira transformar seu filme em uma lição de moral emblemática e ingênua dizendo que os justos e honestos trabalhadores do “american dream” são aqueles que se dão bem no final de tudo. Não é isso. A cena em questão se torna emblemática pelo momento em que ela é inserida. Após toda a merda da vida de excessos de Belfort atingir o ventilador, vemos o agente responsável por sua derrocada e prestação de contas com a sociedade não sentir nenhum regozijo ao retornar para casa após um bem cumprido dia de trabalho. Pelo contrário. Sua expressão de conformismo velado junto aos outros passageiros do metrô lhe traz ao rosto uma expressão ambígua, como se ele se perguntasse: “vale a pena?” (E Scorsese e sua montadora habitual, Thelma Schoonmaker, nos brindam com um poderoso racord de imagem ao inserir o ônibus que leva Belfort para a prisão logo em seguida – a pergunta que fica é: quem é o prisioneiro aqui? Gênio!).

Jordan Belfort exercitando seu poder motivacional
Pelo modo como vemos Jordan “cumprir sua pena”, a resposta à questão que o agente Denham parece se fazer deve ser não. Não vale a pena. Como um reflexo de prisões que vimos acontecer no Brasil durante tantos anos, ricos não cumprem pena. Apenas passam períodos em prisões que mais parecem spas. Mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois para comentar a vida do jovem lobo do título. Após três horas que passam como se fossem 15 minutos, O Lobo de Wall Street cumpre sua missão de nos ensinar o que é o capitalismo no mundo de vidro da bolsa de valores de Nova Iorque. 

Com uma estrutura bastante semelhante a do seu jovem clássico Os Bons Companheiros, Scorsese apresenta seu protagonista em sua entrada no mundo ambicioso do mercado de ações. Ambientado nos anos 1980, em plena febre estadunidense da cocaína (Mark Hanna, personagem de Matthew McConaughey em seus breves e hilariantes minutos em cena, demonstra bem o uso indiscriminado da droga em um restaurante), Jordan é como Henry Hill: deslumbrado e ambicioso, ele vê sua ascensão rápida naquele universo como algo infinito, mas a cada atitude desregrada, percebemos sua derrocada dobrar a esquina e se tornar cada vez mais próxima.

Mark Hanna encontra em Belfort seu pupilo
No entanto, diferente do personagem vivido por Ray Liotta, Jordan teria tudo para se dar bem de forma honesta. Competente e bom de lábia, ele até aparece como alguém focado em crescer de modo justo naquela indústria, mas logo ao conhecer Hanna, lá se vai toda e qualquer chance daquele jovem de se manter preso a algum principio moral que exista em sua conduta. As regras foram apresentadas. Para se ter sucesso na Wall Street dos anos 1980, a resposta está em prostitutas e cocaína, segundo o mestre Hanna. E o pupilo Belfort segue a cartilha à risca.

Scorsese apresenta em O Lobo de Wall Street não apenas a saga da derrocada de um homem (como já fez em diversas películas). Não. Aqui ele decide ir mais a fundo. Aqui, a ideia é meter o dedo na ferida e mostrar todo o excesso que a combinação de grana, pó, pílulas e ócio podem criar. Donnie Azoff (Jonah Hill) se masturbando em público já está entre as cenas mais surreais e insanas de 2013. Orgias, drogas consumidas de locais não muito comuns em filmes e um DiCaprio que parece ter se entregado ao papel da maneira mais insana e, ao mesmo tempo, cômica e trágica possível. Quando vemos Jordan com paralisia cerebral momentânea por ter ingerido uma quantidade exorbitante de calmantes vencidos, podemos até rir, afinal, a cena é hilária. Mas acabamos por fazê-lo com os dentes meio trincados, rindo, mas balançando a cabeça em reprovação ao tentar concluir o que há de errado com aquele rapaz. Sem muito sucesso, saliento.

Jordan e Donnie percebem os efeitos colaterais de pílulas vencidas
Neste momento, a fase amarga de uma vida de excessos já começa a cobrar seu preço. Traições, acordos perigosos e com toda e qualquer moral que ainda resta posta latrina abaixo, Jordan tenta se prender a qualquer traço que o ligue à sua vida. E em um momento de intimidade particularmente constrangedor, quando o jovem não encontra mais o suporte da linda mulher que o acompanha, este tenta se agarrar a qualquer vestígio do que ainda considera sua vida e foge (ou tenta) com sua filha. O sangue quente a descer de sua testa e a cair nos olhos parece fazê-lo perceber que a hora de acordar já passou faz tempo.

Mas esse é um filme de Scorsese. E quando falamos nisso, temos que imaginar os travellings e planos sequenciais elegantes, além da trilha sonora inspirada. E lá estão estes elementos. A forma como a câmera parece passear pelo salão onde os funcionários da firma de Jordan trabalham ilustra bem a energia pulsante do lugar. Do microfone centrado em um tablado a demonstrar perfeitamente a megalomania e o poder de persuasão do discurso de Jordan, vemos o homem convencer a todos acerca de qual deve ser o modo de ganhar dinheiro naquele lugar.

Com a inserção da versão frenética dos Lemonheads para Mrs. Robinson em um dos momentos conclusivos da trajetória de crimes financeiros do bando, gosto de acreditar que Scorsese pensou em ilustrar toda a ingenuidade daqueles jovens inconsequentes e remetê-la à mesma do casal adolescente a fugir no final de The Graduate: torcendo para que desse certo todo aquele plano ousado, mas sabendo que seus dias de liberdade estavam contados. 

Imaginando como funciona a mente cinéfila do diretor, é muito provável que a referência seja essa mesma.  

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