quinta-feira, 16 de maio de 2013

Jards


(Brasil, 2012) Direção: Eryk Rocha.



A câmera segue o homem de aparência fragilizada a caminhar pela casa, a mexer em papéis antigos, a adentrar e sair de uma aparente costumeira névoa de cigarro. Tal fragilidade é quase que proposital nas intenções daquelas imagens captadas. O artista parece cansado. O artista parece combalido. Derrotado. Irônica ilusão, no entanto.

Nesse registro das gravações do cantor Jards Macalé, feito pelo cineasta Eryk Rocha, bastam poucos segundos da canção Só Morto (Burning night) para percebermos a força que ainda habita na voz de Jards. Ela brota de uma forma surpreendente daquele rosto que mescla um olhar contemplativo e concentrado na mesma medida. A fagulha que inflama sua concentração para com a partitura, as orientações dadas aos seus músicos, tudo surge como um turbilhão. E no momento em que nos damos conta, ele já esta bradando nos versos da canção citada. Pura catarse.

Jards, o documentário, não intenciona uma convencional apresentação seguida da dissecação daquele artista. O que vemos nos 90 minutos de filme não é uma tentativa de trazer Jards Macalé para a geração atual. Ao mesmo tempo, não é obrigatória a pesquisa da obra daquele mestre para que se possa absorver o que a película oferece em sua projeção. O filme é sobre a inspiração de um músico. Ele coloca o espectador, através de close ups frequentes, dentro daquele ambiente. Nós estamos lá, passeando entre os instrumentos e absorvendo cada canção.



Sem se render à já batida fórmula documental de cabeças falantes, onde depoimentos são captados para validar discursos ou confirmar pontos de vistas, Eryk Rocha opta por deixar a música e as imagens falarem por si. Para os que têm naquele filme sua primeira incursão na musica do compositor de Vapor Barato, imagens de arquivo exibem o jovem Jards seguida pela sobreposição das imagens atuais do cantor. Este acaba por ser um modo sutil de demonstrar a bagagem de vida daquela voz.

A montagem do filme acerta ao preferir manter as impressões em uma mão única, oriunda apenas da visão do espectador, e não sendo guiado por falas do filme. O respeito de outros músicos é captado pela presença de gente como Adriana Calcanhoto, Frejat e Luiz Melodia. Mas nada que crie uma atmosfera de preciosismo ou bajulação. A presença de Jards no ambiente serve como guia. E qualquer sensação de pressão por parte de sua história na música brasileira se esvai com as brincadeiras pós-gravações.

É um filme que se diferencia por sua proposta. Do mesmo modo como em Transeunte, longa anterior de Rocha, há uma sutileza ao se abordar a solidão humana. A diferença para esta obra reside no escapismo criativo que tal sentimento traz para a vida do homem em foco.

Pode causar estranhamento no espectador que espera uma estrutura convencional de documentário musical, mas garante uma rica reflexão sobre como se dá o processo de criação musical de um artista do gabarito de Jards Macalé. 

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