domingo, 24 de fevereiro de 2013

Holy Motors

(França, 2012) Direção: Leos Carax. Com Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue.


Por João Paulo Barreto

Holly Motors aborda uma realidade na qual se é incapaz de sentir emoções genuínas. Tudo é plantado. Tudo é encenado. Exatamente por isso, pela sua abordagem plástica da realidade, podemos colocá-lo como um estudo perfeito das relações humanas no século XXI. Um período no qual tais relações são muitas vezes moldadas a partir de uma tela de fundo azul e branco na qual se despeja lamentações e futilidades na esperança inútil de se ganhar “curtidas”.

O filme abrange a rotina de um dia de trabalho de um homem inicialmente chamado de “Sr. Oscar” (Denis Lavant, moldando o conceito da palavra soberbo) que sai para seu lavoro de manhã, elegante, simpático e sorridente com sua família e chofer. Ao entrar em sua limusine, algo acontece e passamos a construir junto ao homem uma realidade artificial da qual ele faz parte e na qual o espectador será intimado a construir um quebra cabeças de situações e emoções. O que verídico e o que é encenado naquele universo? Qual é a vida que aquele ser humano leva? Quando ele é ele mesmo e quando se trata de um personagem? Holy Motors não vai entregar tão fácil assim as respostas.

Denis Lavant e sua criatura bestial

Saindo de um personagem para outro e seguindo uma rotina pré-agendada de serviços (da qual ele possui um controle rígido de horários), “Oscar” é um ser que aparenta não possuir uma personalidade própria. No único momento em que parece demonstrar algo intrínseco, isto acaba por ser uma lamentação relacionada ao seu trabalho de atuação (“sinto falta da floresta”). Assim, nunca conhecemos quem ele realmente é. E, antes que essa frase soe como uma crítica negativa, alerto: diferente de outros filmes nos quais personagens superficiais transbordam de tramas ainda mais carentes de profundidade, Holy Motors tem em seu mote justamente essa artificialidade. E é isso que o torna tão fantástico.

“Oscar” é um resumo do ser humano atual. Carente de emoções, ele busca em uma fachada de personagens algum fio que conduza sua vida. Dentro do “motor sagrado” que é sua limusine, seu mundo se completa entre peças de figurino, maquiagem e disfarces cinematográficos. Lá de dentro, ele observa a ruas da bela Paris através de um monitor (nada mais pertinente, já que o mundo de muitos é visto somente assim), incapaz de sentir a cidade, mas faminto por seu calor. Ironicamente, é acometido por um resfriado quando experimenta a fria noite parisiense em aparentemente mais um serviço teatral. Uma clara referência à inaptidão social da qual ele parece sofrer.

Homem sem face: de sua limusine, "Oscar" observa seu palco

O roteiro de Leos Carax brinca de modo brutal e, por vezes, repugnante com a realidade (e com o surrealismo). Ao mixar a ficção dentro da ficção com fatos que para aquele universo podem ou não ser reais, Carax exige do seu publico nada menos que reflexão acerca da metalinguagem. Uma reflexão chocante acerca daquele mundo no qual assassinatos, suicídios e mutilações acontecem e as emoções em tais fatos confundem de forma positiva. Sim, isso é possível. Afinal, qual daquelas vidas é real? E essa pergunta nos leva a outra: isso importa?

Ao final de Holly Motors, a tristeza que impera nos sentidos do espectador é a mesma do personagem central. Incapaz de viver em uma única personalidade, “Oscar” segue, aparentemente de forma forçada, em um universo no qual a artificialidade das relações é plantada é atuada de forma natural. A vida se confunde com o papel ou, no caso, com a tela do monitor. Atual e doloroso como a vida dentro de outros mo(ni)tores sagrados nos quais as pessoas fingem ser quem não são em busca da aceitação de estranhos.

Na última e surreal cena do filme, entendemos a razão do título. Mas com os créditos, a constatação foi de que o motor sagrado do longa era o próprio “Oscar”: uma máquina de representação incapaz de sentir. 


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