terça-feira, 1 de agosto de 2017

O Filme da Minha Vida

(Brasil, 2017) Direção: Selton Mello. Com Johnny Massaro, Vincent Cassel, Ondina Clais, Bruna Linzmeyer, Selton Mello.


Por João Paulo Barreto

Selton Mello, a partir do livro de Antonio Skarmeta, mesmo autor de O Carteiro e o Poeta, constrói, aqui, uma bela ode à nostalgia. A um período das nossas vidas em que as transições definitivas que nos confirmam com adultos deixam marcas, às vezes cicatrizes, às vezes sensações boas, mas sempre algo que passa a significar para a pessoa uma espécie de Porto Seguro, um campo de refúgio em momentos onde qualquer conforto, ainda que mínimo, trará algum tipo de alívio para o peso que, invariavelmente, venhamos a carregar. Essas percepções de O Filme da Minha Vida, porém, são colocadas na tela não de modo fácil, gratuitamente apelativo ou manipulador das emoções do espectador. Essa sensação de conforto é algo que o diretor permite ao público experimentar de modo subliminar, mas, quando este percebe, é difícil não se deixar levar.

Trata-se de uma obra que analisa a relação de, ao mesmo tempo, dependência afetiva e de perda das amarras que mantêm um jovem ligado à memória de seu pai ausente.Tony é, para quem presencia sua história, justamente o elo de ligação com aquele passado de descobertas. Sua dependência afetiva vem do vazio e curiosidade em saber o destino do seu velho. A perda das amarras vem da inevitável mudança que a juventude e as experiências da vida lhe trazem, algo que suavemente reduz, mas não encerra, aquela angústia pela perda de seu ídolo. Tal dor está sempre lá. Ainda que o mundo ao seu redor possa distraí-lo e trazer-lhe sua cota de prazeres, sorrisos e coisas novas, Tony sempre retorna ao ponto de sua angústia.

As lembranças de uma infância a consolidar o caráter de um adulto
Situado em algum momento dos anos 1960, em um local geograficamente pacato e bucólico da região sul do Brasil, o roteiro de Mello e Marcelo Vindicato insere elementos que nos remetem a essa sensação de refúgio que somente a memória parece alcançar em termos de sensações e conforto, algo que a fotografia confortadora de Walter Carvalho, que torna o calor dos espaços ainda mais aconchegante, salienta bastante. O rádio como principal fonte de informação; as lutas de boxe do campeão Eder Jofre a nos localizar nesta linha temporal (e a criar uma eficiente rima visual em certo aspecto violento visto no desfecho da trama); a Maria Fumaça a ligar a cidade com a fronteira do país; as latas de películas cinematográficas levadas pelo maquinista para o cinema da região que exibe Rio Vermelho, do Howard Hawks, sendo esta uma eficiente alusão à relação do protagonista com seu pai; a figura mítica do próprio maquinista, vivido pelo lendário Rolando Boldrin, ele mesmo, para muitos espectadores, incluindo eu, um símbolo precioso dessa sensação nostálgica; os jingles de rádio sendo cantarolados por dois personagens durante o café da manhã, sendo esta cena uma das mais eficientes em sua simplicidade para exibir essa mesma sensação. Sutileza e delicadeza são as palavras-chaves destes momentos que nos levam a uma busca de nossas próprias memórias.

A descoberta lúdica da paixão
Ao mesmo tempo, é um filme que se permite ser lúdico, que se permite ser calcado no sonho para ilustrar as sensações de seu protagonista, como no momento em que este, ao som da ópera Carmen, literalmente flutua em direção às paixões amorosas que a vida lhe traz. Johnny Massaro, no papel de Tony, com seu olhar perdido e rosto amedrontado, se adéqua bem à presença de seu personagem, alguém cuja vida parece intimidá-lo até certo ponto. O momento de quebra, no entanto, não tarda a acontecer. Em seu rito de passagem para o que finalmente encara como sendo a vida adulta, além da percepção da malicia de alguns que o cercam, está o entendimento de que, muitas vezes, a fuga, apesar de uma solução emergencial, não é sempre o caminho mais seguro. A dor, porém, lhe ensina a perceber isso. Mas desta mesma dor surge a serenidade de perceber que os erros de quem ele ama podem ser perdoados.

Registro de uma época mais simples de ser vivda
Na passagem dos anos, redenção é o que muitos parecem buscar. Para Tony, ver as próprias descobertas como homem se confundirem com as descobertas dos erros de quem ele enxergava como herói, é a percepção clara do ponto de consolidação de seu caráter. Voltar àqueles dias lúdicos é algo que o confortará para sempre. E quem não confortaria? 



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